Um Bom Cão

Nascido para este mundo; a ele unido pelo laço do instinto; frágil e ainda combalido retiras-me do seio protector de Mãe.
Apesar dos meus ohos ainda estarem cerrados e a visão toldada pela confusão dos sentidos, não deixo de estranhar o súbito apartar do conforto que me deveria estar destinado para ser carregado por mãos frias e ásperas para um qualquer estranho lugar.
Tudo é novo e bizarro, mas não me questiono acerca de nada. Não sei o que é questionar. Por isso deixo-me levar, inconsciente do que as coisas são ou do que as coisas deveríam ser. Mas se podesse, pedir-te-ía que me colocasses de novo naquele lugar quente e agradável do qual me tiraste. Ficar-te-ía muito agradecido.
Há medida que o tempo passa, apercebo-me das formas, das cores e dos sons que se encontram em todo o meu redor, e esta grave e séria voz que me grita de quando em vez por um qualquer motivo que não consigo compreender. Sei, por fim, que é tua essa voz e que a mesma mão que me alimenta também me castiga. Esse conceito aprendi muito bem ao longo dos anos. Que mão tão grande e forte tu tens. Tão fria e severa e gentil como a mão de um carrasco.
Ao longo dos anos tento ser um bom cão. Sento-me quando assim o ordenas, salto se for esse o teu desejo, não me queixo quando me bates para não te deixar ainda mais zangado. E tu estás sempre zangado. E a minha carne é o refúgio da tua Ira e o meu choro a desculpa que necessitas para continuares a bater-me.
Mas eu sou um bom cão. Eu não me queixo. Mesmo questionando-me porque me fazes sofrer, faço-o em silêncio. As minhas palavras não soam como as tuas e tomas o meu falar como uma desculpa para me acorrentares e me castigares ainda mais.
Quando não te encontras aqui no nosso lar prosto-me à janela esperando por ti. Do mundo é tudo quanto aprendi: há movimento e outros como tu polulando nesta estreita rua da qual surges lá ao fundo ao fim do dia. Por vezes nem apareces e fico inexplicavelmente triste com a tua ausência, sem comida, sem água, sem a tua voz.
Sei agora que és o meu Dono. O meu Senhor. És Deus, por quanto me deste a perceber. E devo-te obediência absoluta e irrecusável sob pena do castigo ser ainda mais divino.
Mas eu sou um bom cão. Eu não me queixo.
E agora, que se aproxima a hora da minha morte, tudo aquilo que desejo é que me deixes deitar sobre o teu colo e sentir de novo o calor e o conforto há tanto esquecido. Negar-me-ías este meu pedido? Mesmo se o fizer rastejando para ti com o que resta das minhas forças?
Morro satisfeito comigo mesmo. Eu sei que fui um bom cão. Protegi este lar com a mesma violência que usavas contra mim. Afastei os intrusos com o meu rosnar. Fiz tudo por ti.
E agora, neste meu último suspiro, atrevo-me a perguntar: alguma vez me amaste? Tanto como eu te amei?

5 comentários:

mimi disse...

Profundo...admirável...estranho...real
beijo

Aquilus disse...

Uaf uaf!
E há ainda que se digne a ser cão neste mudo de ilusão e se submeta ao Senhor

Fantástico,
Abraço,
Hugo

Anónimo disse...

realmente incrivel a maneira de descrever a vida de um cao...muitos de nos n penxariamus tal coisa...mas imaginando-nos (humanos) em tal situaxao o k fariam seria exactamente o mesmu...pois pa ele o deus era um humano...e nos enkuanto humanus acreditamus (nu
geral) em algu mto superior (deus) ao kual damus toda a nossa fé e fazemus tdo kuanto ele gosta...mas komu pode ele gustar?komu pode ele dixer k gosta?ai fika uma sugestao para o procimo raciocinio...

fika bem

abraxos[[]]

bom penxamento

Anónimo disse...

sim senhor, o "menino", escreve mto bem!!~Parabéns~
sendo eu uma boa cadela tb fiz o k o amo mandou e vim ler o blog...
bjo
Zázá

Anónimo disse...

Acredita quando te digo... és o "eu" de mim na expresão do teu "logos".
Escreves exactamente como eu. talvez seja os estudos que levamos a cabo juntos mas sinceramente penso que assim sempre o foste: genial.

um grande abraço deste teu que para sempre te quer.

Alexandre