[acerca da] Morte por Desgosto

Não há [nem imaginamos] dor mais severa e sentida do que aquela provocada por um coração destroçado.
[Da mesma forma] não há morte mais miserável do que aquela provocada pelo lento e solitário desespero do Desgosto.
Dois velhos amantes que partilharam o mesmo leito amoroso após os longos anos de cumplicidade veem-se apartados pelo súbito e inefável chamamento da Morte. O corpo frágil e consumido pelos anos daquele ente querido que jaz agora gélido no seu mais profundo sono, teima em não despertar. O cabelo grisalho refletindo a luz matinal da aurora que entra pela janela. O rosto carcomido pelo Tempo. O velho amante que agita a sua amada em desespero e o que recebe em troca é uma sórdida mudez. Lágrimas derramadas, choro compulsivo e a promessa de um novo dia é toldada pelo escuro manto da Tristeza.
Dor no peito. Um coração partido. E o velho amante deita-se aninhando o seu corpo ao corpo inanimado da sua amada, tentando talvez mantê-la quente e trazê-la de volta à vida. Talvez deseje apenas um pouco mais de conforto. Talvez se assim permanecer irá em breve acordar deste estranho e assustador sonho.
Mas é um frio conforto. Não retribuido. Plenamente acordado. A nossa amada morreu e com ela o nosso propósito nesta Terra.
Após a longa agonia da solidão aquele velhote termina os seus dias sósinho no seu leito, desejando ainda o conforto da sua amada. Mas ela não virá. E a Morte será o seu único conforto para a dor e a tristeza que por sobre ele se abateu.
Mas não só o Desgosto se apodera dos amantes. Até o melhor dos nossos amigos morrerá miseravelmente se o seu amor por nós for verdadeiro quando a Morte nos chama para nos apartarmos. Aquele Bom Amigo que nos acompanhou e acarinhou nos piores momentos sem nada pedir em troca, defendendo-nos de tudo aquilo que considere nos colocar em perigo; até ele morrerá miseravelmente à fome e à sede, deitado à nossa porta, por sobre a nossa cama ou teimosamente se negando a abandonar a nossa campa, indiferente do frio e da chuva que possa sobre ele cair. Até os cães morrem de Desgosto, o que nos une de uma forma única e para lá da razão comum.
E por vezes é tão dolorosa a dor de um cão que o eleva moralmente acima dos demais companheiros que tiveramos em vida. Reconhecemos nele muitas das nossas características que teimosamente denominamos como humanas. Mas um cão consegue ser mais humano que o mais humano dos humanos. É de todos os animais que caminham por sobre a Terra aquele com o qual cedo nos identificamos. Reconhecemos instintivamente a sua alegria, a sua tristeza, o seu tédio ou a sua ira. E, de igual modo, apiedamo-nos do seu sofrimento e tomamos para nós próprios a responsabilidade de lhe oferecer uma morte digna. Talvez ele fique grato quando lhe apontamos o cano de uma espingarda à cabeça, visto que ele jamais voltará a andar. Talvez se podesse gesticular palavras humanas ele dissesse "fá-lo porque eu o faria por ti". Talvez quando ele chora por sobre a cinzenta campa do seu dono, tudo aquilo que ele deseje seja o Derradeiro Chamamento também.
Todos os animais conhecem o desespero. Todos eles conhecem o Desgosto. Todos eles choram pela morte das suas crias, dos seus pais, dos seus irmãos, das suas companheiras e companheiros. E todos os animais morrem de coração despedaçado pela dolorosa mão do Desgosto.
Atrevemo-nos a dizer: não há morte mais miserável porém mais humilde do que a morte por Desgosto. É o derradeiro sacrifício: mostrar o verdadeiro sentimento que se esconde por debaixo das ninharias a que chamamos viver.

2 comentários:

Anónimo disse...

eu acho profundo

Anónimo disse...

è puramente frio mas simplesmente realista capaz de marcar kaker um.
ass.catarina