Das três verdades perecíveis ao humor

São três as verdades que, longe de serem absolutas, perecem ao subjectivismo individual e são alvo do discernimento daqueles que as observam. Falamos, pois, da condição do indivíduo perante os demais e a forma como ele é sujeito ao humor e à disposição [que lhe é] alheia, e a forma como esse humor e essa disposição o afecta bem como [por sua vez] àqueles outros:
  1. Ser-se amado
  2. Ser-se odiado
  3. Ser-se ignorado

Parece-nos evidente que destas três verdades, a primeira é a mais desejável e aquela a que todos os indivíduos anseiam. O amor do próximo é o bem mais precioso que o indivíduo pode obter dos seus semelhantes e congéneres. É também aquele que enaltece o espirito à felicidade do convivio, ao reconhecimento do seu próprio valor perante aqueles cujo amor é igualmente retribuído por ele, e, de igual forma, o sustento e o consolo para aqueles de alma atormentada. Pois que muitos são os tormentos que o afecto cura melhor que o Tempo, quando o Tempo aparenta ser o arqui-inimigo da felicidade.

O indivíduo que é odiado, por sua vez, é alvo do escrutínio dos demais e também do medo e da Ira. Aquele que é odiado pela sua personalidade é-o também pelas suas acções, se bem que entre o pensamento e a acção diste um longo caminho, por vezes mesclam-se como se a intenção e o agir fossem um só. E muitos daqueles que são alvo do ódio alheio são-no por incompreensão daqueles outros. Especialmente se as suas atitudes não forem correctamente interpretadas ou se ao próprio indivíduo lhe carecer a noção do seu próprio agir. Mas desenganai-vos se pensais que aquele-que-é-odiado não possa ser [ou seja efectivamente] amado por outros mais. Mesmo ao mais temivel e terrivel dos indíviduos lhe cabe a sua porção de amor. Também dele se contam afectos e a admiração daqueles que lhe são mais próximos, por mais ignóbil que a sua existência possa parecer. E há mesmo aqueles indivíduos que preferem o ódio geral ao amor e às afeições pessoais, quer por auto-comisceração, quer por repugnância da vida social.

A terceira verdade perecível ao humor é aquela que de longe qualquer indíviduo pode desejar para si. Pois que ser-se amado por todos é a excelência da pertença afectuosa; ser-se odiado, como visto, não carece do seu próprio reconhecimento, mas ser-se ignorado pelos demais é semelhante a não existir. É a não-pertença, o não-afecto, o não-ódio, o não-se-ser.

Imaginai-vos invisíveis aos olhos, ao pensamento e ao coração dos demais. Imaginai também que nenhum laço afectuoso vos sustenta, nenhum clamor é-vos responsabilizado, que a vossa própria figura, o vosso próprio pensamento e o vosso próprio coração é nulo de valor. O que é o Mundo senão um lugar vago e apático para aquele-que-é-ignorado? Mas nem a esse indivíduo lhe falta o afecto. Pois que todos os indivíduos são ignorados na medida em que não são reconhecidos pelos demais, quer pela falta de laço afectuoso para com eles ou por reconhecimento de acções injustas que lhes inflencie desta ou de outra qualquer forma. Para se ignorar é necessário primeiro o seu reconhecimento [como ser existente] e se daí advir a apatia para com o indivíduo, também ele se tornará apático para com os outros. Ignorar este ou aquele individuo não lhe nega a possibilidade dele ser amado ou odiado, de lhe caber em sorte uma boa familia e bons amigos ou de ser alvo de conflito. Sois inevitavelmente amados/as, odiados/as e ignorados/as pelo humor momentâneo daqueles que vos rodeiam. Estas são as três verdades que ao individuo lhe cabe segundo o humor que lhe é alheio e perante o qual a sua postura perece e se modifica e se transforma independentemente da sua própria vontade e do seu próprio agir.